Alana Gandra
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - O futuro da Igreja Católica ainda é uma incógnita para
o teólogo Leonardo Boff. Nesta quinta-feira (28), no último dia de pontificado do
papa Bento XVI, de 85 anos, Boff mostrou ceticismo ao falar à Agência Brasil
sobre o tema.”Eu creio que a crise é tão grande e atingiu o coração da
Igreja [Católica], porque é a parte moral, da transparência, da
credibilidade, da confiança que os fiéis dedicam à igreja. Isso foi
atingido e, em parte, destruído”.
Para Boff, o futuro papa terá a tarefa “imensa” de resgatar uma imagem
da Igreja Católica que tenha uma “altura moral, que ela represente
valores que vêm da grande tradição de Jesus”. Ele acredita que o novo
papa deverá vir de fora da Europa. “Porque os europeus todos estão
envolvidos na mesma lógica do poder, dos negócios, das intrigas”. Para o
teólogo, o novo papa poderá vir da África ou da América Latina.
“Tem que ser um papa corajoso, que enfrente a Cúria romana, que tem
mais de mil anos de estruturação, e descentraliza eventualmente a Igreja
Católica”. O teólogo disse que os instrumentos teólogicos-jurídicos não
existem. “Os papas sempre os esvaziaram. Basta a ele [novo papa]
aplicá-los. Salvaria a Igreja. Isto é, dando valor de decisão às
conferências nacionais, aos sínodos dos bispos que ocorrem a cada dois
ou três anos em Roma, e o papa como referência de unidade, mas
peregrinando pelas igrejas”.
Boff defendeu os nomes do cardeal de Gana, Peter Turkson, ou do cardeal
Oscar Andrés Rodríguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa (Honduras),
para o novo papado. Na Europa, embora avalie como pouco provável que se
eleja um papa oriundo daquele continente, indicou que um nome forte
seria o do cardeal de Viena, na Áustria, Christoph Schönborn, “que é
muito corajoso, aberto”. Para Boff, Schonborn é alguém que pode estar
preparado para enfrentar crises graves na Igreja Católica.
O teólogo acha que a escolha de um cardeal brasileiro seria uma grande
surpresa. “Porque nós não temos cardeais proféticos, de renome
internacional, como tínhamos antes com dom Paulo Evaristo [Arns], com
dom Aluísio [Lorscheider]. Temos cardeais criados pelos dois papas João
Paulo II e Bento XVI, que são moderados e conservadores. Não seriam as
figuras capazes de enfrentar uma grande crise da Igreja”.
Mesmo depois de ter sido julgado e condenado pelo então Cardeal Joseph
Ratzinger, em 1974, com quem trabalhou anteriormente, Leonardo Boff
disse que não guarda nenhum ressentimento ou mágoa. “Curiosamente eu não
guardo nada. Até me esqueço disso, e considero coisa do século passado.
Lamento que ele, enquanto presidente desse Santo Ofício e continua
agora como papa, condenou mais de 100 teólogos, os melhores dos países”.
Os teólogos, como Boff, foram proibidos de dar aulas, de fazer
conferências, de publicar livros.
Na avaliação de Boff, Joseph Ratzinger foi um papa que tem um rosto
afável, é elegante, mas de uma dureza germânica. Eu diria bismarquiana
(aludindo a Otto von Bismarck, estadista mais importante da Alemanha do
século 19 que, para formar a unidade alemã, desprezou os recursos do
liberalismo político, preferindo a política da força). Ele não esquece
nada, cobra tudo e não perdoa nada”, disse. “Isso é o pior que pode
haver na figura de um religioso”, completou.
Para o teólogo, há meios de se reverter a perda de fiéis que a Igreja
Católica vem sofrendo ao longo dos últimos anos. Isso vai depender,
contudo, da imagem que a igreja projetar. “Se for a imagem de um papa
pastor, que ama o povo, que serve com humildade e simplicidade como João
XXIII, que é chamado o papa bom, todo mundo adere e se recupera a
Igreja Católica como um lar espiritual. Hoje ela não é um lar
espiritual. Ela é um pesadelo que afugenta as melhores cabeças, leigas,
de homens e mulheres”.
Em entrevista à Agência Brasil e à TV Brasil,
Leonardo Boff analisou que a renúncia de Bento XVI é um sinal que o
tipo de Igreja, “toda centralizada na figura do papa, é impossível de
ser levada avante”. Essa, segundo ele, é uma carga pesada, colocada nas
costas de uma única pessoa. O teólogo acrescentou que o papa foi sincero
quando disse não ter mais vigor para dirigir a Igreja Católica
mergulhada em uma crise profunda. “Então, humildemente e sinceramente,
renunciou”.
O fato de Bento XVI permanecer morando no Vaticano e ostentando o
título de papa emérito é, segundo Boff, uma situação extremamente
arriscado. “Porque no Vaticano só deve ter uma cabeça e não duas. E há o
risco, se vier um papa mais aberto e fizer reformas, que haja grupos de
cristãos mais conservadores, e há muitos no mundo hoje, que continuam
obedecendo ao papa Bento XVI e não ao outro. Então seria um cisma
[separação] na Igreja. Oxalá isso não aconteça”.
Para Leonardo Boff, a Igreja Católica não terá outro caminho senão o de
enfrentar as denúncias de corrupção e pedofilia. “Ela não tem
alternativa. Ou faz isso ou se desmoraliza totalmente”. Ele crê que um
papa corajoso terá o bom-senso de conduzir a Igreja rumo à modernização.
“Porque não se pode mais impedir a camisinha, deixar que a aids
na África siga devastando nações. Não pode. Tem que usar bom-senso,
colocando a vida no centro [das decisões]”. O teólogo entende que os
pobres que vivem humilhados em todo o mundo e a terra devastada deverão
fazer parte do novo discurso da Igreja, onde ela pode se regenerar.
A escolha do novo papa será um processo difícil no conclave dos
cardeais, previsto para os próximos 15 dias, disse Boff. Ele explicou
que as cerca de 300 páginas do relatório que aborda os abusos cometidos
por membros da Igreja Católica, desde desvio de dinheiro a abusos
sexuais, vão produzir um impacto nos cardeais. “E eu temo que muitos
deles não sentem coragem de enfrentar uma crise dessas e queiram alguém
mais novo, mais corajoso, fora do circuito romano”. Alguém que possa
voltar a transformar a Igreja em um “lar espiritual”.
Edição: Aécio Amado
Fonte: Agência Brasil
Fonte: Agência Brasil
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