sexta-feira, abril 21, 2006

Entrevista
Um estreante na sétima arte

Pernambucano de São Lourenço da Mata, mas especificamente de uma usina de cana-de-açúcar chamada Tiúma, no interior do estado, João Falcão deu início à sua trajetória no teatro e posteriormente aderiu a outras vertentes culturais. Trabalhou como diretor e roteirista de algumas minisséries para TV, entre elas A Comédia da Vida Privada, Sexo Frágil e o Auto da Compadecida, dirigiu o musical Cambaio – onde trabalhou com Chico Buarque -, como co-roteirista em filmes como Lisbela e o Prisioneiro e O Coronel e o Lobisomem.

Falcão conversou com o repórter André Sato (Folha Universitária) e comentou sobre o acesso restrito à cultura no Brasil, a escassez de salas de teatro e cinema, sua experiência em TV e a paixão pela sétima arte. Ainda envolto pela repercussão de seu primeiro longa-metragem A Máquina - adaptação do livro de sua esposa, Adriana Falção – Ele relata o porque do formato do filme - com forte tom teatral -, como foi trabalhar com Paulo Autran, futuros projetos e sobre a ótica do diretor no que tange a película.


André Sato - Como foi trabalhar com a Comédia da Vida Privada, porque ela deixou de ser realizada?

João Falcão - Nós fizemos três anos de série, foi um tempo razoável, era muito trabalhoso, demandava muito cuidado, nós filmávamos um episódio em dez, doze dias, um episódio de sessenta minutos, o texto era muito trabalhado, eu acho que nós fizemos a “Comédia” durante um bom tempo, foi legal!
André Sato - E que você achou da recepção do público?

João Falcão -
A “Comédia da vida privada” foi uma das coisas que eu mais gostei de fazer, foi meu grande exercício de direção e texto.

André Sato - Você como uma pessoa que já caminhou por diferentes vertentes culturais, ou seja, TV, teatro, cinema, quais são as dificuldades, há uma que possa ser citada como a mais difícil?
João Falcão - Cada uma tem suas dificuldades, a convivência imposta pelo teatro, o fato de ensaiar diariamente e depois de a peça estrear, você ter que conviver com aquelas pessoas demanda harmonia. Compartilhar ideais e estilos de vida fazem com aquilo se torne uma família e isso é uma coisa complicada, assim como passar por vetos, fracassos, críticas, principalmente quando a peça faz sucesso e fica bastante tempo em cartaz, a convivência humana é a maior dificuldade e o maior trunfo
A TV é a mesma coisa, você convive muito tempo com pessoas, mas eu não tenho uma prática com TV, digamos assim mais industrial, o que eu fiz foram coisas muito pequenas, minisséries. Eu acho que a maior dificuldade é essa rapidez, você tem que fazer rapidamente algo destinado a muita gente, principalmente TV aberta, equilibrar qualidade com um ritmo muito intenso, é difícil. No que diz respeito a cinema, eu acho que a maior dificuldade é você conseguir levantar verba para fazer um filme, é muito caro, não que nos outros países seja barato, mas é que no Brasil há poucas salas, pouco retorno.

André Sato – No Brasil o acesso à cultura é muito restrito, sobretudo no tocante ao teatro, pois se trata de algo extremamente segmentado a um pequeno nicho, não deveria haver um processo de “democratização cultural”?

João Falcão - Eu acho que cada vez mais os teatros se limitam aos shoppings e para um público muito pequeno e elitista, mas a cultura em geral no Brasil é assim, especialmente o teatro. O teatro popular praticamente não existe mais.

André Sato - O que é contraditório, se tomarmos como exemplo a Grécia Antiga, onde o teatro era considerado parte da educação do povo.

João Falcão - É que não dá para nós negarmos a evolução dos tempos nos meio de comunicação, hoje em dia, o veículo que é destinado à massa é a televisão, impossível ignorar isso! Se você faz algo na TV, ela é vista por 40 milhões de pessoas, enquanto com dois anos de uma peça de teatro você atinge 100 mil pessoas.
Deveria haver mais salas, porém o que acontece é o contrário, a cada dia as salas vão fechando e os teatros alternativos estão em situação cada vez mais difícil.

André Sato - O custo relativamente alto, associado a outras dificuldades contribuem para essa escassez?

João Falcão - Sim, porque você tem a pessoas ali, a cada sessão a pessoa está ali ao vivo, tem técnicos trabalhando nos bastidores, uma iluminação que é cara. São pessoas que estão fazendo algo para emocionar, não é uma coisa gravada, cada sessão é especial.
André Sato - Após a Comédia da Vida Privada você dirigiu o “Cambaio”, como foi experiência de trabalhar com Chico Buarque neste musical?
João Falcão - Eu sempre fui fã da obra do Chico, desde a época de colégio, então quando ele me chamou pra trabalhar com ele, foi emocionante. Eu imaginava uma situação e ele a musicava, foi muito importante para mim.
André Sato - No que diz respeito à A Máquina, é possível perceber um forte tom teatral durante o filme, semelhante à minissérie Hoje é dia de Maria, como surgiu a idéia de construir a trama neste molde?

João Falcão – A história é muito fantasiosa, muito fantástica, todo o texto foge do realismo, nós achamos que se construíssemos uma cidadezinha dentro do estúdio e trabalhasse com uma coisa assumidamente fantasiosa e artificial, nós ganharíamos mais, estaria de acordo com o tom do texto.
André Sato - Foram apenas duas tomadas externas?
João Falcão - Eu acho que tem o mar...
André Sato – E aquela em que o protagonista pega o carro é em estúdio?
João Falcão - Aquilo não, ia ser no estúdio, estava tudo pronto, mas nós resolvemos fazer em um lugar aqui perto, no Rio de Janeiro, porém, tentamos esconder o máximo de elementos realistas.
André Sato - “Nordestina” (cidade fictícia onde se passa a trama) tem alguma relação com a sua cidade natal?

João Falcão – Muita, acho que veio daí toda a idéia. Foi uma relação não só com a minha cidade, mas com muitas outras cidades que estão fora desse eixo produtor de cultura, que é Rio – São Paulo e que só vêem o mundo pela TV.

André Sato - Você é de São Lourenço da Mata?
João Falcão - Sim, mas na verdade eu nasci em um lugar chamado Usina Tiúma, era uma usina de cana-de-açúcar, por incrível que pareça, apesar de ser uma cidade pobre, tinha um cinema.
Naquela época ainda havia cinema nestas localidades, hoje em dia 92% dos municípios brasileiros não tem sala de cinema, bons filmes que eu vi foram nesta época.
André Sato - Qual o cinema que você gosta e que te influenciou?
João Falcão - Eu gosto muito de cinema, tem época em que eu escolho um cineasta e vejo toda sua obra, recentemente vi tudo de Vim Wenders e Federico Fellini, entre os mais modernos, eu gosto muito de Baz Lhurmann e também de Steven Spielberg, em sua fase mais “jovem”. Entre os brasileiros, eu gosto muito de Fernando Meirelles.

André Sato - A atual cena cinematográfica nacional, em seu modo de ver, chegou para ficar?
João Falcão - Eu acho que nós estamos aprendendo, estamos caminhando, dando cabeçada aqui e ali, mas estamos indo, são cabeçadas necessárias. Nós estamos percebendo o público que podemos ter e o público está descobrindo um cinema que ele pode gostar.
Com muito trabalho e uma dose de humildade, acho que nós conseguiremos fazer um cinema interessante, particular eacessível.

André Sato - Após você ver a adaptação do livro de sua esposa concluída em película, suas expectativas foram supridas?

João Falcão - Eu acho que se você não puxar o diretor e falar: “Acabou!Você não pode mexer em mais nada!”, ele vai passar o resto da vida mexendo nesse filme. Eu assisti o filme várias vezes em pré-estréias e cada vez eu via coisas que eu poderia ter feito melhor ou diferente, acho que vai ser sempre assim. Na minha opinião nós conseguimos fazer um filme bem interessante, corajoso, diferente, com bons desempenhos e uma linguagem acessível, fiquei satifeito.

André Sato - Como surgiu a idéia de colocar como o protagonista 50 anos mais velho, um ícone do teatro brasileiro, Paulo Autran?

João Falcão - Sua pergunta já responde, o Paulo é foda! Paulo Autran é uma unanimidade, o tempo passa e ele fica cada vez melhor. Eu tive a sorte de conhecê-lo em uma peça que fiz há alguns anos atrás que ele gostou muito, depois dessa, ele foi ver todas as minhas peças e nós nos tornamos amigos. A primeira pessoa que passou pela minha cabeça para fazer este personagem foi ele e quando eu o chamei, ele topou.

André Sato - Mas teve alguma persistência de sua parte?

João Falcão - Não, ele topou logo e isso foi bom porque eu pude continuar escrevendo pensando nele. A única condição que ele impôs foi que ele só participaria do filme se eu fizesse uma peça com ele.

André Sato - Então este será o seu próximo projeto?
João Falcão - Exatamente, vou fazer “O Avarento” com Paulo Autran.
André Sato - Tem alguma data prevista?
João Falcão - Acho que estreamos entre agosto e setembro.
André Sato - Há alguém no nosso país que deveria viajar 50 anos rumo ao futuro e retornar para nos contar como estará o Brasil?
João Falcão - Após alguns segundos pensativo...O próprio Paulo Autran, mas pensando em alguém sem relação com o filme, talvez Jurandir Freire Costa (escritor e psicanalista pernambucano).
André Sato - E em se tratando da cena política, quem poderia ir até o futuro e voltar para tentar nos ajudar, como fez o protagonista de A Máquina?

João Falcão - Na política está difícil, muuuito difícil! Esta pessoa deve existir, mas eu não a conheço!

Sinopse

Em Nordestina, cidadezinha perdida no sertão, "Karina da rua de baixo" (Mariana Ximenes) sonha em ser atriz e partir para o mundo. Antes que seu amor lhe escape, "Antônio de Dona Nazaré" (Gustavo Falcão) adianta-se numa cruzada kamikaze para trazer o mundo até Karina. Uma história em que os sonhos contradizem a realidade, as condições geográficas e políticas ameaçam conter a vida, e o amor desempenha o papel de elemento transformador. Com Mariana Ximenes, Paulo Autran, Wagner Moura, Lázaro Ramos e Vladimir Brichta.

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